quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Representação da Imagem: um processo evolutivo

por

Claudia Hudson Lamas
Ivo Regazi Filho
Sebastião Gomes de Almeida Júnior
Sérgio Condé
Suellen Dias de Andrade

Em ritmo acelerado, a tecnologia evolui, ganha espaço e seu avanço marca o tempo atual. Conquistas do passado, como a fotografia e o vídeo, ganham versões mais atualizadas, especialmente amparadas pelo ambiente digitalizado. Câmeras digitais e computadores aparecem hoje como principais meios utilizados na produção de imagens. O surgimento de aparatos técnicos cada vez mais aperfeiçoados traz novas possibilidades de representação do real.
O que percebemos, no entanto, é um universo imagético mediado cada vez mais pela técnica em detrimento da mediação humana. E isso não é novo. Das fotografias aos simulacros digitais, a técnica vem substituindo o homem há mais de 500 anos. O Renascimento italiano, no século XV, instituiu pelos “artífices da matéria plástica e põem a construir dispositivos técnicos destinados a dar “objetividade e coerência ao trabalho de produção de imagens” (MACHADO, 1994). A própria iconografia fotográfica é fruto do Renascimento.
Nos anos 1960, o teórico canadense Marshall Mcluhan já encarava o processo de comunicação como sendo condicionado pelos meios técnicos - “O meio é a mensagem”. Data desta mesma época, o surgimento o vídeo como novo meio que mudaria radicalmente o destino da imagem, já que a “imagem eletrônica é muito mais maleável, plástica, aberta à manipulação do artista, resultando portanto mais suscetível às transformações e anamorfoses” (Idem).
Não tardou para que dentro desse panorama aparecesse a imagem digital, gerada no computador, com uma posição um tanto ambígua: “Num certo sentido, trata-se de um retorno aos cânones renascentistas de coerência e objetividade (...) ela realiza o sonho renascentista de uma imaginação puramente conceitual, onde a imagem seria encarada e praticada como instância de materialização do conceito” (per idem).

Paradigmas da Representação da Imagem
Há pouco mais de um século, a fotografia inaugurava a substituição da mediação humana por um dispositivo de representação do visível, retirando da cena pictórica o último gesto artesanal, representado pela mão do homem. De acordo com Arlindo Machado, em “As Imagens Técnicas: da fotografia à síntese numérica”, isto possibilitou o nascimento de uma imagem que excluía a intervenção do homem em decorrência de uma produção inteiramente automática e tecnológica da imagem.
Os antecedentes dessa busca da representação objetiva da realidade visível situam no Renascimento italiano:
A fotografia é filha legítima da iconografia renascentista. Não apenas porque, do ponto de vista técnico, ela se faz com os recursos tecnológicos do séculos XV e XVI(câmera obscura, perspectiva monocular e objetivas), mas sobretudo que sua principal função a partir do século XIX, quando a sua produção comercial se generaliza, será dar continuidade ao modelo de imagem construído do Renascimento, modelo este marcado pela objetividade, pela reprodução mimética do visível e pelo conceito de espaço coerente e sistemático, espaço intelectualizado, organizado em torno de um ponto de fuga (...) (MACHADO, 1994, p.11)


Esse momento de ruptura é denominado por Lúcia Santaella, em seu artigo “A imagem pré-fotográfica, fotográfica e pós-fotográfica”, como o paradigma fotográfico, em que “todas as imagens produzidas por conexão dinâmica e captação física de fragmentos do mundo visível, isto é, imagens que dependem de uma máquina de registro, implicando necessariamente a presença de objetos reais preexistentes” (SANTAELLA, 1994, p.35).
No mesmo texto, Santaella ressalta que anteriormente a esta mudança paradigmática da imagem, “o Quatrocento, através do fenômeno da camera obscura e das técnicas da perspectiva artificialis, já possuía todas as características óticas da fotografia”. Entretanto, a mudança do paradigma pré-fotográfico para o fotográfico teria de aguardar a chegada de um novo meio de produção. Ou seja, além da parte puramente mecânica (máquina fotográfica) era preciso encontrar “um meio que pudesse fixar o reflexo luminoso projetado na parede interna da camera obscura”, o que se deu através da ‘”descoberta da sensibilidade à luz de alguns compostos de prata”.
Mais adiante, a autora estabelece o terceiro paradigma que
diz respeito às imagens sintéticas ou iconográficas, inteiramente calculadas por computação. Estas não são mais, como as imagens óticas, o traço de um raio luminoso emitido por um objeto preexistente – um modelo – captado e fixado por um dispositivo fotosensível químico (fotografia, cinema) ou eletrônico (vídeo), mas são a transformação de uma matriz de números em pontos elementares (ou pixels) visualizados sobre uma tela de vídeo ou uma impressora” (SANTAELLA in Imagens, 1994, p. 35).


Arlindo Machado (1994), ao discorrer sobre as formas de representação, estabelece que “no século XX, vamos aprender a conviver simultaneamente com dois modelos iconográficos: o modelo renascentista, mantido vivo através da imagem técnica, e o modelo ‘moderno’ de que a artes plásticas serão as principais articuladoras”.
O modelo que iria se contrapor a objetividade técnica renascentista se inicia com a arte moderna. No final do século XIX, influenciada pelas anamorfoses que subvertiam de forma sutil as cenas renascentistas já na arte barroca, e posteriormente aprofundadas na arte do romantismo, surge essa outra tendência de representação. Questionando o sistema perspectivo clássico, através da negação dos seus postulados de objetividade e coerência, a arte moderna promoverá a abolição radical da figura, chegando à abstração.
Machado destaca, ainda, o surgimento do vídeo como uma importante ruptura no âmbito das imagens técnicas. Segundo o autor,
A partir dos anos 60, porém, a emergência de um novo meio mudou radicalmente o destino da imagem técnica. O aparecimento do vídeo, mais precisamente a sua disponibilidade comercial, que lhe permitiu chegar às mãos de uma geração de artistas na sua maioria oriundos das artes plásticas e da música contemporânea, constituiu um dado novo, que não demoraria a provocar uma ruptura sem precedentes no universo das imagens técnicas.” (MACHADO, 1994, p. 13)

Como já dissemos, a imagem eletrônica significou maior maleabilidade, plasticidade e abertura à manipulação do artista, propiciando maiores possibilidades de transformações e anamorfoses.
Mas, pouco tempo depois, a chegada do computador, gerando e processando a imagem digital, representou, por assim dizer, um retrocesso, um retorno à técnica renascentista, baseada na coerência e objetividade, na medida em que retomou os postulados estéticos do século XV. De acordo com Arlindo Machado,
os algoritmos de visualização invocados no universo da computação gráfica permitem restituir sob forma visível (perceptível) o universo da pura abstração das matemáticas, ao mesmo tempo que possibilitam também descrever numericamente as propriedades da imagem. Como conseqüência, eles dão origem a imagens ainda mais calculadas, coerentes e formalizadas do que a pintura do Quattrocento.


Na cultura digital, o realismo é essencialmente conceitual, desencarnado da paisagem registrada. A intervenção do computador compreende ambigüidade por ter de um lado a mediação de uma câmera para enunciação da imagem e de outro uma extensa possibilidade de manipulações e metamorfoses.
Como diz Arlindo Machado (1994), a história da arte não é linear. O universo das imagens aponta para uma natureza híbrida, conseqüente de diferentes e contraditórias influências. Ao longo da história do mundo, as técnicas surgiram, sofreram mutações e deram espaço a outras técnicas. No entanto, são retomadas, em sua essência ou reformuladas. “A computação gráfica aspiram ao (antigo) poder de convicção da fotografia fotoquímica, a fotografia se converte ela própria em vídeo (as próprias câmeras fotográficas já são agora eletrônicas) (....)”.


Referências

MACHADO, Arlindo. As imagens técnicas: da fotografia à síntese numérica. Imagens, Campinas, Ed. Unicamp, n.03, 2005, p.8-11.

SANTAELLA, Lúcia. Imagem pré-fotográfica, fotográfica e pós-fotográfica. Imagens, Campinas, Ed. Unicamp, n.03, 2005, p.31-40.

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