quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A PROBLEMÁTICA DA LINGUAGEM E DA ESTÉTICA NO CINEMA DIGITAL

por Danilo Egle

É fato, o mundo digital invadiu o mercado de entretenimento. Entre televisões, rádios e tantos outros aparelhos digitais que temos em nossas casas, a mais nova tecnologia digital é o cinema. Sua existência não pode mais ser negada. O cinema digital está aí para ficar.
“As imagens digitais são fruto da entrada dos recursos eletrônicos no campo do cinema, o que começa a ocorrer ainda no início dos anos 60. Acredita-se que é em 1961, quando Jerry Lewis usa um VTR para agilizar filmagens e economizar tempo e dinheiro em seu filme “The ladies man”, que a cinta magnética entra no mundo do fotograma.” Nas palavras de Miriam Nogueira Tavares, doutora em Comunicação e Culturas Contemporâneas (FACOM/UFBA), é professora auxiliar da Universidade do Algarve/Portugal, tudo teve seu grande começo nessa fase.
Em maio de 2002 George Lucas foi o pioneiro do cinema digital e lançou o filme "Star Wars - Episósio II: O Ataque dos Clones", o primeiro filme de ação inteiramente produzido em vídeo digital.
Hoje, com a entrada do cinema digital como fonte de recursos acadêmicos, como ferramenta de fácil manuseio em faculdades de comunicação, ele despertou a fome de muitos em produzir cinema e vídeos. A filmagem caseira passou a ter um objetivo mais concreto que apenas guardar como lembrança. Ela alcança o mérito de se transformar num veículo de comunicação de idéias, de divulgação de fatos e mesmo de possibilitar o surgimento de novos criadores, novos diretores, novos artistas. Podemos citar como exemplo o 8° Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades, realizado entre os dias 26 e 31 de outubro deste ano. No festival, vídeos simples e fáceis de produzir, competiam entre si à categorial nacional e regional. Vídeos feitos para fins de graduações ou especializações, ou porque já existia o projeto ou idéia e surgiu a oportunidade de executar, ou até mesmo envolvidos com fim de relacionamentos, foram dirigidos, trabalhados e finalizados por pessoas sem muitas experiências, mas com grande vontade de fazer cinema. Alguns desses filmes foram realizados com câmeras digitais simples ou ‘handcan’, o que não comprometeu a qualidade final do produto. Hoje, com a inclusão do cinema digital, ficou simples e fácil fazer filme, é claro que não sendo comparados às grandes produções.
Arlindo Machado, num texto sobre Vilém Flusser, afirma que “criador é aquele que maneja a máquina em sentido contrário a sua produtividade programada. Os outros seriam, na linguagem de Flusser, apenas funcionários. As máquinas são caixas-pretas cujo funcionamento e cujo mecanismo gerador de imagens lhes escapa parcial ou totalmente”. Ainda segundo Arlindo Machado, “este é o problema do cinema na era da imagem digital: não há, na grande maioria dos casos, uma preocupação em ultrapassar o papel de “funcionário” e, quando esta existe, não é usada no sentido da experimentação que atinja também a estrutura narrativa. As imagens de síntese estão cada vez mais elaboradas e próximas da imagem analógica. O que também nos faz pensar se seria esta a sua finalidade – recriar o real. Pois ao fazer isso se está apenas seguindo os passos do que já foi feito antes pelo cinema convencional marcadamente realista e especular. De novo o homem revela o seu desejo de ser demiúrgico: criar um universo que pode concorrer com o extra-tela. Mas é um Deus pouco criativo e seu universo não é novo, é apenas uma cópia, mais que perfeita, do real.”
A linguagem do cinema digital pressupõe algo sem o grande compromisso com a qualidade técnica, mas considerando sempre que a qualidade estética pode ser praticada, e não necessariamente está vinculada ao processo de captação com câmeras profissionais. Pode-se obter um excelente resultado com câmeras digitais populares e o problema estaria mais entre a máquina e a mão de quem a opera. Uma boa edição também ajuda quando o problema é o equipamento ou o operador. É possível na edição configurar imagens, afim de que pareçam feitas propositalmente. E assim, não ter um resultado comprometido no final.
Segundo Miguel Serpa em seu texto Estéticas e Mercado no Cinema Brasileiro Incentivado “observa-se na produção contemporânea do cinema brasileiro uma acentuada preocupação com os formatos de representação social identificados com o que se pode chamar de “mundo real”. Significa dizer que os filmes buscam uma estética que tem como modelos o cinema documentário e as fórmulas de dramaturgia da telenovela brasileira”.
A linguagem do cinema digital nos impressiona pela capacidade criativa de quem o pratica. Não são meras exposições de uma cena frente à câmera. Existe o estudo da cena, a captação da melhor cena, a preocupação com o real e o imaginário. No mundo digital, o domínio do imaginário sugere um trabalho diferenciado, mas não nos traz um resultado muito mais realístico.
De acordo com Tom Harris o cinema digital é mais barato e mais fácil de distribuir, porém a mudança não é barata. Seriam gastos em média 150 mil dólares para a conversão das salas de cinema de analógicas para digitais. A praticidade é também um grande diferencial, pois é muito mais fácil trabalhar com a tecnologia digital ao invés da analógica.
Em se tratando do cinema profissional digital, gerar recursos, formatos e distribuição dessa mídia evoca um trabalho complicado de distribuição, onde o grande problema a enfrentar é a pirataria. Tanto quanto cresce a capacidade do ser humano em criar e produzir maravilhas nesse mundo digital, também reside sua capacidade de burlar os mecanismos de criação e reproduzir e transformar a seu bel prazer os resultados de trabalhos expostos na mídia digital, principalmente.
Quando vemos as paródias, os spoofs na internet combinam-se aqui duas situações criativas: a original, e a utilizada como base para uma nova criação midiática. Algo sem pedido, sem licença, mas que também nos alimenta com informações novas, de novas técnicas, novas formas de fazer mídia visual digital.
Fazer cinema hoje pode ser muito diferente do que era há vinte anos. A pergunta é: a diferença vai interferir na estrutura da linguagem cinematográfica? Segundo Carlos Gerbase a resposta ainda será alvo de polêmicas e fazer cinema em qualquer época que seja, continuará sendo um desafio solucionado pelos humanos com suas capacidades e limitações, mas, principalmente, com sua criatividade.
Apesar de produções experimentais terem uma menor qualidade fílmica, o cinema digital ganha em possibilidades criativas que o cinema analógico não possui. Com sua força, o cinema digital continua a desafiar sensibilidades e potências.

Bibliografia:

http://www.cap.eca.usp.br/ars12/cinema_digital.pdf (Mirian Nogueira Tavares Cinema digital: novos suportes, mesmas histórias), acesso em 30/10/2009.

MACHADO, Arlindo. Repensando Flusser e as imagens técnicas. Disponível em: http://www. arteuna.com/CRITICA/Machado.htm , acesso em 30/10/2009.

http://lazer.hsw.uol.com.br/cinema-digital.htm (Tom Harris - traduzido por HowStuffWorks Brasil) acesso em 30/10/2009.

GERBASE, Carlos. Quem tem medo do cinema digital? Disponível em:
http://caioba.pucrs.br/veritas/ojs/index.php/famecos/article/viewFile/742/55, acesso em 30/10/2009.

PEREIRA, Miguel. Estéticas e Mercado no Cinema Brasileiro Incentivado. IV ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, de 28 a 30 de maio de 2008, Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.

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